sábado, 22 de novembro de 2014

RASTILHO DE PÓLVORA

ERICK WILSON PEREIRA
“É um rastilho de pólvora. Quando um começa a falar, o outro diz: ‘Vai sobrar só para mim?’ E aí eles começam a falar mesmo”. O comentário do procurador-geral da República corrobora o que muitos já suspeitavam. As prisões na Operação Lava Jato - à parte a disposição dos presos em colaborar com a Justiça e franquear informações e documentos – se converteram em métodos de constrangimento e de estímulo à delação premiada, a qual privilegia leis infraconstitucionais, dificulta o acesso ao processo e homologa acordos sem o crivo do contraditório.
Em face do inquisidor, a escolha racional da estratégia nem sempre leva ao sucesso, como demonstrado por um “mensaleiro” condenado a 40 anos de reclusão. A utilidade é o valor mais desejado e decisivo, de modo que caso a opção de calar seja a escolhida, crescem as chances de liberdade para todos. Se todos se acusam mutuamente, todos saem perdendo. Se há divisões, os que traem se saem melhor que aqueles que se calam. É a lógica cruel e amoral da teoria dos jogos.
Não admira que a Polícia e o Ministério Público forcem incentivos para que a traição mútua ou o “rastilho de pólvora” exploda como resultado de uma lógica em que cada um, isoladamente, pensa como os demais. Em sendo a confiança frágil ou inexistente, o mais útil é delatar o cúmplice, pelo menos não cumprirá sozinho a pena.
Mas não pense que o ser humano é traidor inveterado: percebemos que, em longo prazo, a cooperação e a reciprocidade são mais úteis. No entanto, quando a “sombra do futuro” é encurtada e a relação com o outro tem prazo de validade, a tentação de trair é irreprimível. E na balança do custo-benefício de um esquema tentaculado que se presume haver movimentado R$10 bilhões, pende o prato da delação.
Faz-se de tudo na hora traiçoeira: delata-se o capo que até ontem dispensava-setratamento de “primo”; compromete-se com a devolução de US$ 97 milhões após meros três dias de cadeia; busca-se preservar um naco de segredos a guisa de sobrevivência. Pois, mesmo entre operadores de um “cartel” em que propinas alcançam o colosso de R$ 40 milhões, é difícil existir profissional com fígado para tolerar pressões para além de uma zona de conforto despossuída de jatinhos, de contas em paraísos fiscais e da companhia de familiares até as mais simples comodidades físicas.
Esta é a Justiça voltada para o corruptor e o agente político; novidade propulsora da reforma política, especialmente no que tange ao financiamento público de campanha. A devastação política – a financeira é enorme – ainda é uma incógnita. Mas daí a se crer em Juízo Final vai uma grande distância.

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