sábado, 12 de agosto de 2017

Jogador do S. Cristóvão detalha oferta para entregar partida pela Série B1

Rio de Janeiro


Acusado, Juersen Batalha nega ter oferecido dinheiro a atletas do clube carioca. TJD-RJ e 17ª Delegacia de Polícia ouvirão os envolvidos na próxima semana

A denúncia feita pelo São Cristóvão de que três
jogadores do clube foram assediados para A denúncia feita pelo São Cristóvão de que três jogadores do clube foram assediados para "entregar" uma partida pela Série B1 do Campeonato Carioca ganhou mais detalhes. João Victor, que recebeu a oferta e avisou imediatamente os dirigentes do São Cristóvão, contou que a proposta o balançou - (A proposta) Entrou na mente igual entra na mente de criança que oferecem bala.
Aos 22 anos de idade, João Victor joga por um time de pequeno porte, recebe um salário considerado baixo e mora no alojamento da agremiação. Mas esses fatores não o impediram de, segundo ele, recusar os R$ 35 mil que o aliciador ofereceu.
Juersen Batalha trabalhando em plataforma de petróleo  (Foto: Reprodução de Facebook)Juersen Batalha trabalhando em plataforma de petróleo (Foto: Reprodução de Facebook)
O homem acusado de fazer a oferta foi identificado pelos dirigentes: Juersen Batalha, de 52 anos, que nega as acusações. Ele trabalha como encarregado de estruturas tubulares em plataformas de petróleo e também atua como empresário de futebol. É conhecido no mundo da bola como “Careca”, apelido que consta até em sua página na rede social, onde exibe fotos em clubes como Botafogo e Flamengo, nos quais já tentou abrir portas para jogadores.

Todos esses personagens serão ouvidos na próxima semana no Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ) e na 17ª Delegacia de Polícia, em São Cristóvão, onde foi registrada a ocorrência no dia 29 de julho, véspera da partida contra o Americano pela Série B1 do Campeonato Carioca. O TJD-RJ convocou ainda o presidente e o técnico do Barcelona de Curicica, que também disputa o ampeonato. A infração registrada foi no artigo 41-D do Estatuto do Torcedor: corrupção ativa desportiva. A pena é de dois a seis anos de reclusão e multa. 

O caso parece não ser o único relacionado ao clube da Zona Norte do Rio. O treinador Hélio Dias, ou Helinho, reportou à diretoria ter sido abordado pela mesma pessoa, Juersen Batalha, com uma oferta para que entregasse uma partida contra o Duque de Caxias nesse ano. Com medo de exposição e de abalar o elenco, esse caso não foi registrado anteriormente pelo técnico ou pela diretoria do clube em qualquer delegacia.
- A manipulação de resultados já é uma realidade no futebol brasileiro. Me parece que máfias asiáticas já estão atuando na América do Sul. Nós aqui do TJD estamos muito preocupados com a manipulação de resultados no Brasil, e acredito que também a Ferj e a CBF – disse Marcelo Jucá, presidente do TJD-RJ.

O “investidor”
Diogo Braga, identificado por dirigentes do São Cristóvão como responsável pelo dinheiro para que Juersen abordasse jogadores (Foto: Reprodução no Facebook)Diogo Braga, identificado por dirigentes do São Cristóvão como responsável pelo dinheiro para que Juersen abordasse jogadores (Foto: Reprodução no Facebook)
Em contato por telefone com a reportagem, Batalha também negou conhecer Diogo Porcino Braga, ou Diogo "Tilico", atleta com passagem por diversos clubes, incluindo pela Malásia, em 2007. Diogo Braga foi identificado pelos dirigentes do São Cristóvão como a pessoa que seria responsável por trazer o dinheiro e pela entrega na Rua Bariri, estádio do Olaria, onde ocorreria o jogo contra o Americano.

De acordo com os relatos dos envolvidos, Braga estaria na arquibancada com sua mulher e o dinheiro. Chegou a haver uma recomendação para que tudo fosse muito discreto, pois ela não saberia de nada. A instrução foi para que uma pessoa de confiança do jogador sentasse ao lado de Diogo na arquibancada para ver o dinheiro e fazer um sinal para o atleta no campo de que tudo estava conforme o combinado. Depois, seria feita a entrega.

A identificação foi feita pelo presidente do São Cristóvão, Emmanoel de França Filho, através de fotografias do perfil de Diogo Braga em rede social. Ele tinha vínculo de amizade com Juersen Batalha até a divulgação deste caso, mas já não aparece mais na lista de conhecidos do suspeito de ter feito a abordagem sobre os jogadores.

O preparador de goleiros do São Cristóvão, Marcos Cerda, ou Marquinhos, também diz ter sido abordado dias antes por um grupo interessado em investir no clube. Ele enviou uma mensagem de áudio para o presidente descrevendo a situação:

- O cara que seria o investidor se chama Diogo. (...) Ele comentou a respeito daquele jogo contra o Gonçalense, de virada de 4 a 3. E falou que tinha uns jogadores que estavam no esquema e que tinham recebido R$ 7 mil para poder fazer o resultado – afirmou Marquinhos no áudio que mandou para França Filho.

Linha de investigação: motivação esportiva ou máfia de apostas?


O delegado Marcelo Ambrósio, titular da 17ª DP, trabalha inicialmente com a hipótese de busca por favorecimento esportivo, ou seja, suspeita de que outro clube possa estar envolvido para garantir, por exemplo, o acesso à Primeira Divisão. Por isso, ouvirá também dirigentes do Americano na próxima semana.
Registro de ocorrência feito pelo São Cristóvão na 17ª DP iniciou investigação que terá oitivas na próxima semana (Foto: Reprodução)Registro feito pelo São Cristóvão na 17ª DP iniciou investigação que terá oitivas na próxima semana (Foto: Reprodução)


Mas os cartolas do São Cristóvão desconfiam de outras partidas, como a virada incomum citada por Marquinhos. O time da Figueira de Melo vencia por 3 a 0 até a parada técnica, por volta dos 20 minutos do segundo tempo. E perdeu a partida por 4 a 3. A gravação dos lances dos gols mostra falhas da equipe que os dirigentes avaliam como estranhas. Na época, em junho, nada foi registrado.

- Não vou dizer que acendeu o alerta, mas a gente pensou: o que houve? Por que isso? Será que os garotos são tão inexperientes assim? Não sabem segurar o resultado? – recordou França Filho.

Abordagem
Juersen Batalha em visita ao Botafogo (Foto: Reprodução do Facebook)Juersen Batalha em visita ao Botafogo (Foto: Reprodução do Facebook)
João Victor relatou a abordagem de Juersen ao técnico do São Cristóvão, Hugo Sales. Em áudio enviado por aplicativo de mensagens, ele diz:

- Ele (Juersen) ofereceu R$ 35 mil para a gente não ganhar o jogo amanhã (contra o Americano). (...) Entrou, assim, na mente igual entra na mente de criança oferecendo bala.

Depois, em entrevista gravada na qual foi preservada sua imagem e alterada sua voz a pedido do clube como medida de segurança, João Victor contou como foi a conversa com Juersen Batalha:

- Ele foi conversando, falando que ele era um empresário de uma empresa chamada M9 (M9 Sports, que fica em São Paulo e negou ter Juersen como funcionário), veio mostrando fotos. Ele me falou que jogou no Botafogo (Juersen, em contato com a reportagem, disse que “passou” pelo Alvinegro, mas não chegou a assinar contrato), que é conhecido como Careca. Que aqui no Rio conheciam ele como Careca e que ele morava no Recreio. Aí ele falou: “Não, vamos ali no estacionamento, porque eu não quero ninguém perto... É uma coisa bem sigilosa mesmo, não quero que ninguém fique sabendo”. Aí eu já estranhei. Olhei para o meu companheiro (Shalon, também jogador), ele olhou para mim, e falamos: “Vamos lá então” – relatou João Victor.

O jogador então descreveu a negociação. Disse que Juersen inicialmente ofereceu um valor menor, mas acabou deixando escapar a informação do que teria à disposição para garantir o resultado para Diogo:

- “Vinte mil, vocês querem? Não, cara. A gente não está interessado em entregar o jogo”. Ele: “Não, chuta um valor”. Aí ele foi e pegou o celular e começou a mostrar uns áudios com um nome de Diogo, no celular dele. E dizia: “A gente tem R$ 50 mil para negociar, 15 são do nosso esquema e o resto vocês oferecem”. Ele até tentou pausar para eu não ouvir os 35, porque ele tinha oferecido 20.

Na entrevista concedida ao SporTV, João Victor reconheceu o poder que uma oferta como essa exerce nos pensamentos de um jovem que aspira uma carreira no futebol, mas atravessa as dificuldades impostas pela falta de condições:

- Depois desse episódio, eu sei que isso deve acontecer realmente. Porque eu, com a cabeça que eu estava, cabeça feita que não iria aceitar e mesmo assim eu tive a vontade de aceitar... Imagina alguém que está numa situação precária, alguém que não tenha caráter – concluiu.

Juersen Batalha se defende

O suspeito apontado pelos dirigentes do São Cristóvão aceitou falar com a reportagem por telefone. Diogo Braga não retornou ao contato feito através de rede social. Juersen não quis fornecer o número de telefone e alegou que tinha pouco contato com Braga. Fez alguns segundos de silêncio quando o nome do suposto investidor foi mencionado pela primeira vez no contato por telefone com a reportagem.

Segundo os relatos da diretoria do São Cristóvão, Juersen Batalha esteve na Rua Bariri na partida contra o Americano com Diogo Braga. Ele confirma que esteve na partida, mas nega que Braga estivesse no local. Disse ainda que deixou o jogo após o fim do primeiro tempo por estar passando mal por conta de um anti-inflamatório que tomou em função de uma dor no joelho. Os dirigentes confirmaram que não o viram na etapa final.

- Diogo? Se ele estava comigo? Não tem Diogo. O Diogo que eu conheço foi jogador de futebol. Eu não sei se é Braga o sobrenome dele.

Em um segundo contato por telefone, Juersen disse que tinha um trabalho programado com Diogo para este ano, mas que “não foi à frente”:

- O Diogo me procurou para a gente montar um trabalho que seria esse ano mesmo e não foi para frente. Os 15 dias que trabalho embarcado, não tenho condições de tocar nada. Larguei o meu clube por causa disso (o Clube de Futebol Anápolis Ltda., fundado em 2007 do qual Juersen foi sócio, que não conseguiu se filiar à Ferj por não cumprir os requisitos, e que foi fechado em abril deste ano).

Ele também nega que tenha conversado em particular com João Victor e Shalon e que tenha ido para o estacionamento com os dois jogadores. Porém, câmeras de segurança do São Cristóvão captaram o momento da abordagem no estacionamento.

- Não, aí não, isso aí não. Eu fui até o portão, o preparador de goleiro eu perguntei se estava indo embora, ele falou que tinha uma reunião, e ali eu fui para a rodoviária e peguei meu ônibus. Conversei com vários atletas. (...) Sozinhos, não. Conversei com vários atletas, foram vários jogadores... Eu sentei... Porque eu cheguei cedo, e o treino começou tarde. Eu sentei ali nas cadeiras, tinha um jogador na janela, conversei com ele. Aí mais à frente, se não me engano, o massagista dos juniores, que estavam treinando, aí ele sentou comigo. Aí sentou outro jogador lá... Aí depois eu fui ao banheiro, tem um restaurantezinho, sentei com o pessoal e fiquei batendo papo... Então, como eu trabalho com futebol, tenho de interagir com todo mundo, converso com todo mundo. O São Cristóvão foi um clube meu, fui criado ali por São Cristóvão. (...) Não tive conversa com ninguém particular.

Mesmo informado que a reportagem estava com a imagem da câmera de segurança, Juersen manteve o discurso:

- Não, mas não foi saindo pro, pro... para ter uma conversa particular. Eu saí, e fui embora.

Juersen diz que não conhece Hélio Dias, técnico do Barcelona, e que somente conheceu um jogador do clube que tentava agenciar. Dias, porém, enviou prints de mensagens trocadas com Juersen à reportagem. Na conversa, Juersen diz:

- Vou ser direto e você tem que confiar em mim. E se aceitar fica a seu critério repassar para ele e com os atletas. Vou te falar pelo zap (whatsapp) no viva-voz ok!

Questionado pela reportagem ao telefone, Juersen negou ter conversado com Hélio Dias e chegou a sugerir que seu telefone foi clonado:

- Eu conversei com o pai de um atleta lá, onde foi me apresentado o atleta, para poder trabalhar o nome dele. Aí levei o nome dele para a empresa de São Paulo, entendeu, e sendo que o pai desse atleta falou que só assinaria um contrato com a gente se tivesse um clube que ele fosse. (...) Tinha até uma viagem para a China, uma situação para a China, onde a gente ia tentar colocar o garoto, mas não houve êxito porque o pai não assinou o contrato. Do Barcelona, a situação é essa.

Sobre Helinho, respondeu:

- Não, não conheço Helinho não. (...) Como vou trocar mensagens com uma pessoa que não conheço? Eu acho que está tendo é, está tendo alguma coisa aí, ou clonaram meu telefone, que não é normal o que está acontecendo. Então clonaram meu telefone. O meu telefone está clonado.

O suspeito identificado pelos cartolas do São Cristóvão também descreveu o seu trabalho:

- Eu trabalho no mar, trabalho há 26 anos, sou formado, e eu por ser ex-jogador e por ter contato com algumas pessoas envolvidas no futebol, a gente trabalha, faz um documento, entendeu, um documento certinho, e representa o atleta. Tudo de forma... (...) Não tenho uma agência. A gente reconhece firma, faz uma procuração, reconhece firma, e faz uma parceria com outra empresa, um clube, entendeu. Hoje, vai acabar o campeonato da segunda divisão e vamos ter um monte de jogadores desempregados.

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