domingo, 20 de agosto de 2017

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A PEDIDO
Andamento do Processo n. 2014/0234042-6 - Recurso Especial - 07/04/2017 do STJ
Acórdãos
Coordenadoria da sexta Turma
(5516)
RECURSO ESPECIAL Nº 1.481.038 - RN (2014/0234042-6)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : LUIZ CLÁUDIO SOUZA MACÊDO
ADVOGADO : ANDRÉ AUGUSTO DE CASTRO E OUTRO (S) - RN003898
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
DECISÃO
LUIZ CLÁUDIO SOUZA MACÊDO interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que, em
apelação, à unanimidade, manteve a condenação do réu por sonegação fiscal e, por maioria, majorou a reprimenda a ele imposta, fixando-a em 4 anos e 1 mês de reclusão. Em relação ao aumento de pena, foram opostos embargos infringentes, os quais foram acolhidos a fim de reduzir a pena para 3 anos e 3 meses de reclusão.
Em suas razões, alega o recorrente, em síntese, violação dos arts. 59 do CP; 156, 157, caput e § 1º, 383, 384, 386, II, III e VII, 619 e 620, todos do CPP; 43, I e II, 144, § 2º, do CTN; 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 e 42 da Lei n. 9.430/1996. Em sua ótica, o entendimento externado pelo Tribunal de origem, relacionado a tais dispositivos legais, foi discrepante daquele defendido por esta Corte.
No que tange à ofensa aos arts. 619 e 620 do CPP e à suposta divergência jurisprudencial, alega a defesa que o acórdão recorrido foi omisso, não obstante provocado, nos seguintes aspectos: 1) ilicitude da prova que subsidiou o procedimento administrativo de constituição do crédito tributário; 2) inobservância do princípio da correlação, na medida em que a denúncia arrolou somente três fatos e o Magistrado de primeiro grau "valorou todos os lançamentos presentes no procedimento administrativo" (fl. 486) e 3) falta de apreciação dos "teores dos artigos 383 e 384, do CPP e seus parágrafos" (fl. 486).
No que concerne à violação do arts. 156, 157, caput e § 1º, do CPP, bem como do 144, § 2º, do CTN e à suposta divergência jurisprudencial, assere, em essência, que a prova utilizada para lastrear o procedimento administrativo tributário – quebra do sigilo bancário e fiscal – foi obtida pela Receita Federal sem autorização judicial e que tal procedimento foi o que ensejou a deflagração do processo penal, o que é ilegal. Argumenta que, mesmo considerada possível a quebra de sigilo pela Receita Federal, a prova seria ilícita "por expressa impossibilidade de se aplicar à apuração do Imposto de Renda, as inovações legislativas posteriores ao período de lançamento do imposto" (fl. 495), sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da Lei Complementar nº 105/2001, que não pode ser aplicada aos fatos geradores ocorridos antes da sua vigência.
Em relação ao malferimento dos arts. 383 e 384 do CPP, afirma a defesa que a denúncia apontou apenas três fatos geradores do tributo devido e supostamente não recolhido, mas que o Magistrado de primeiro grau acabou por analisar outros valores não descritos na inicial acusatória, inobservando, por isso, o princípio da correlação.
Aduz, quanto às violações dos arts. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990; 42 da Lei n. 9.430/1996; 43, I e II, do CTN e 386, II, III e VII, do CPP e divergência jurisprudencial, sustenta que não ficou caracterizado o acréscimo patrimonial do recorrente e, portanto, não preenchidas as elementares do tipo previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990.
Por fim, no tocante à violação do art. 59 do CP, sustenta que não foram apontados fundamentos aptos para a majoração da pena, restringindo-se ao exame de questões inerentes ao tipo, como a própria fraude praticada contra a fiscalização tributária e o prejuízo ao erário.
Por tudo isso, requer o provimento do recurso especial por "quaisquer dos fundamentos invocados, para anular ou reformar a decisão recorrida e determinando o saneamento das nulidades ou julgado improcedente a pretensão inicial do Ministério Público Federal".
Contrarrazões ao recurso especial às fls. 532-560 e decisão de admissibilidade recursal à fl. 575. Encaminhados os autos ao Ministério Público Federal, este se manifestou pelo seu conhecimento parcial e, nessa extensão, pelo não provimento (fl. 590-610).
Decido.
De início, no que tange à alínea c do permissivo constitucional, verifico que o recurso não atende as exigências contidas no art. 255 do RISTJ. O conhecimento de recurso, fundado na alegação de divergência jurisprudencial, pressupõe a realização de cotejo analítico, no qual deve demonstrar, de forma clara e objetiva, o suposto dissenso interpretativo e a similitude fática entre as demandas, o que não ocorreu no caso, porquanto se restringiu o recorrente à simples transcrição de ementas.
Em relação às apontadas ofensas de dispositivos infraconstitucionais, ressalto, de saída, que todas as questões supostamente omitidas pelo acórdão e, portanto, objeto de insurgência recursal por violação dos arts. 619 e 620, do CPP, são as mesmas que o recorrente alega, em sequência, como interpretadas de modo equivocado pelo Tribunal.
De duas, uma: ou houve omissão e, desse modo, não há como ir adiante na análise das demais questões postas pelo recorrente, ou não houve omissão e, por isso, inexiste violação dos referidos dispositivos. Nesse particular, pela própria narrativa feita pelo recorrente – que transcreve trechos do acórdão recorrido em cada um dos tópicos – verifica-se que não houve nenhuma das omissões apontadas. Valho-me, assim, da própria linha argumentativa do recorrente para afastar a aventada ofensa aos arts. 619 e 620, do CPP.
No que concerne à violação do arts. 156, 157, caput e § 1º, do CPP, bem como do art. 144, § 2º, do CTN, o recurso não merece melhor sorte. Com efeito, no âmbito do processo administrativo fiscal , a Primeira Seção deste Superior Tribunal, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, realizado em 25/11/2009, decidiu pela legalidade da requisição direta de informações pela autoridade fiscal às instituições bancárias sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário . Ressalte-se que o resultado do procedimento fiscal goza de presunção de legalidade, cabendo ao recorrente, no curso de tal procedimento, afastar eventuais cobranças indevidas ou documentos impertinentes, sendo a via do recurso especial inadequada para reavaliar o seu conteúdo.
Válida a lembrança, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal também concluiu, na sessão de 24/2/2016, o julgamento conjunto de cinco processos que questionavam a constitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar n. 105/2001, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial. Por maioria, prevaleceu o entendimento de que a norma é constitucional e não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros . A transferência de informações é feita dos bancos ao Fisco, que tem o dever de preservar o sigilo dos dados; logo não há ofensa à Constituição Federal.
Além disso, já decidiu esta Corte que "a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata , à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN" ( REsp Representativo da Controvérsia n. 1.134.665/SP , 1ª S., Rel. Ministro Luiz Fux , DJe 18/12/2009). Consequentemente, não há que se falar em inaplicabilidade da LC n. 105/2001.
Não prosperam, de igual forma, as alegações de violação da correlação entre os fatos imputados na denúncia e aqueles que subsidiaram a sentença. O total apurado como tendo sido sonegado, não obstante a denúncia tenha indicado valores menores, não tem relevância para efeitos da configuração do crime de sonegação fiscal. O importante é haver crédito constituído, ou seja, que haja na conduta perfeita adequação típica. Precisas, nesse ponto, as ponderações do Ministério Público, calcadas em precedente desta Corte (fl. 609):
Ademais, para a caracterização do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, "de acordo com o posicionamento desta Corte Superior, o dolo se manifesta na conduta dirigida à apresentação de declaração de imposto de renda sem informar a respectiva movimentação financeira, culminando com a omissão de receita e redução do IRPF". (RESP 201102766081, Og Fernandes, STJ – Sexta Turma, DJE DATA: 09/10/2012).
Assim, não comporta reparo o acórdão recorrido, vez que, analisando as provas acostadas aos autos, promoveu adequadamente a correlação entre o fato criminoso e o tipo penal infringido, imputando ao Recorrente as sanções previstas no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.
Por fim, quanto à fixação da pena, observo que o acórdão recorrido destacou, como negativas, a culpabilidade, as circunstâncias do crime e as consequências, nestes termos (fls. 455-456):
(i) culpabilidade revelada no modus operandi, pois o réu, agindo como procurador de sua tia, pessoa já idosa, abriu diversas contas bancárias em nome desta, com o dolo de ocultar a renda percebida, suprimindo assim os tributos devidos; (ii) circunstâncias, uma vez que, mesmo após o falecimento da titular da conta, continuou a movimentá-la, tentando ocultar-se da fiscalização da
Fazenda; e (iii) consequências, porque deles resultou um prejuízo aos cofres públicos apurado (inicialmente) no valor (já elevado) de R$ 453.057,43 (quatrocentos e cinquenta e três mil, cinquenta e sete reais e quarenta e três centavos), atualizado até 2010.
Infere-se, das passagens referidas, que a culpabilidade foi considerada negativa em razão do modus operandi, revelada pelo ardil utilizado pelo réu para a prática delituosa. Segundo a orientação deste Tribunal Superior, tal circunstância justifica considerar a culpabilidade negativa (v.g. AgRg no AREsp n. 414.083/MG , Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro , DJe 2/2/2017).
As circunstâncias judiciais negativas, devidamente fundamentadas, foram calcadas no fato de que, "mesmo após o falecimento da titular da conta" (fl. 455), o réu continuou a movimentá-la e, quanto às consequências, também negativas, foram extraídas do vultoso valor sonegado – quase meio milhão de reais –, o que encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, v.g., in verbis:
[...] 6. O vultoso valor sonegado é considerado fundamento idôneo para amparar a majoração na primeira fase de fixação da pena, pois revela especial reprovabilidade da conduta, não inerente ao próprio tipo penal.
[...] (AgRg no REsp n. 1.217.773/RS , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze , DJe 29/5/2014).
Por fim, ante o esgotamento das instâncias ordinárias – como no caso –, de acordo com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 964.246, sob a sistemática da repercussão geral, é possível a execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação , para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos constitucionais por ele tutelados.
À vista do exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do Código de Processo Civil de 2015, c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, e no art. 34, XVIII, b, parte final, do RISTJ, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão, nego-lhe provimento . Determino, ainda, o envio de cópia dos autos ao Juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte (juízo da condenação), para que viabilize o início imediato da execução da pena.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 04 de abril de 2017.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

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