A PEDIDO
Andamento
do Processo n. 2014/0234042-6 - Recurso Especial - 07/04/2017 do STJ
Acórdãos
Coordenadoria
da sexta Turma
(5516)
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.481.038 - RN (2014/0234042-6)
RELATOR
: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE
: LUIZ CLÁUDIO SOUZA MACÊDO
ADVOGADO
: ANDRÉ AUGUSTO DE CASTRO E OUTRO (S) - RN003898
RECORRIDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
DECISÃO
LUIZ
CLÁUDIO SOUZA MACÊDO interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a e
c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional
Federal da 5ª Região, que, em
apelação, à unanimidade, manteve a condenação do
réu por sonegação fiscal e, por maioria, majorou a reprimenda a ele imposta,
fixando-a em 4 anos e 1 mês de reclusão. Em relação ao aumento de pena, foram
opostos embargos infringentes, os quais foram acolhidos a fim de reduzir a pena
para 3 anos e 3 meses de reclusão.
Em
suas razões, alega o recorrente, em síntese, violação dos arts. 59 do CP; 156,
157, caput e § 1º, 383, 384, 386, II, III e VII, 619 e 620, todos do CPP; 43, I
e II, 144, § 2º, do CTN; 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 e 42 da Lei n. 9.430/1996.
Em sua ótica, o entendimento externado pelo Tribunal de origem, relacionado a
tais dispositivos legais, foi discrepante daquele defendido por esta Corte.
No
que tange à ofensa aos arts. 619 e 620 do CPP e à suposta divergência
jurisprudencial, alega a defesa que o acórdão recorrido foi omisso, não
obstante provocado, nos seguintes aspectos: 1) ilicitude da prova que subsidiou
o procedimento administrativo de constituição do crédito tributário; 2)
inobservância do princípio da correlação, na medida em que a denúncia arrolou
somente três fatos e o Magistrado de primeiro grau "valorou todos os
lançamentos presentes no procedimento administrativo" (fl. 486) e 3) falta
de apreciação dos "teores dos artigos 383 e 384, do CPP e seus
parágrafos" (fl. 486).
No
que concerne à violação do arts. 156, 157, caput e § 1º, do CPP, bem como do
144, § 2º, do CTN e à suposta divergência jurisprudencial, assere, em essência,
que a prova utilizada para lastrear o procedimento administrativo tributário –
quebra do sigilo bancário e fiscal – foi obtida pela Receita Federal sem
autorização judicial e que tal procedimento foi o que ensejou a deflagração do
processo penal, o que é ilegal. Argumenta que, mesmo considerada possível a
quebra de sigilo pela Receita Federal, a prova seria ilícita "por expressa
impossibilidade de se aplicar à apuração do Imposto de Renda, as inovações
legislativas posteriores ao período de lançamento do imposto" (fl. 495),
sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da Lei Complementar nº
105/2001, que não pode ser aplicada aos fatos geradores ocorridos antes da sua
vigência.
Em
relação ao malferimento dos arts. 383 e 384 do CPP, afirma a defesa que a
denúncia apontou apenas três fatos geradores do tributo devido e supostamente
não recolhido, mas que o Magistrado de primeiro grau acabou por analisar outros
valores não descritos na inicial acusatória, inobservando, por isso, o
princípio da correlação.
Aduz,
quanto às violações dos arts. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990; 42 da Lei n.
9.430/1996; 43, I e II, do CTN e 386, II, III e VII, do CPP e divergência
jurisprudencial, sustenta que não ficou caracterizado o acréscimo patrimonial
do recorrente e, portanto, não preenchidas as elementares do tipo previsto no
art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990.
Por
fim, no tocante à violação do art. 59 do CP, sustenta que não foram apontados
fundamentos aptos para a majoração da pena, restringindo-se ao exame de
questões inerentes ao tipo, como a própria fraude praticada contra a
fiscalização tributária e o prejuízo ao erário.
Por
tudo isso, requer o provimento do recurso especial por "quaisquer dos
fundamentos invocados, para anular ou reformar a decisão recorrida e
determinando o saneamento das nulidades ou julgado improcedente a pretensão
inicial do Ministério Público Federal".
Contrarrazões
ao recurso especial às fls. 532-560 e decisão de admissibilidade recursal à fl.
575. Encaminhados os autos ao Ministério Público Federal, este se manifestou
pelo seu conhecimento parcial e, nessa extensão, pelo não provimento (fl.
590-610).
Decido.
De
início, no que tange à alínea c do permissivo constitucional, verifico que o
recurso não atende as exigências contidas no art. 255 do RISTJ. O conhecimento
de recurso, fundado na alegação de divergência jurisprudencial, pressupõe a
realização de cotejo analítico, no qual deve demonstrar, de forma clara e
objetiva, o suposto dissenso interpretativo e a similitude fática entre as
demandas, o que não ocorreu no caso, porquanto se restringiu o recorrente à
simples transcrição de ementas.
Em
relação às apontadas ofensas de dispositivos infraconstitucionais, ressalto, de
saída, que todas as questões supostamente omitidas pelo acórdão e, portanto,
objeto de insurgência recursal por violação dos arts. 619 e 620, do CPP, são as
mesmas que o recorrente alega, em sequência, como interpretadas de modo
equivocado pelo Tribunal.
De
duas, uma: ou houve omissão e, desse modo, não há como ir adiante na análise
das demais questões postas pelo recorrente, ou não houve omissão e, por isso,
inexiste violação dos referidos dispositivos. Nesse particular, pela própria
narrativa feita pelo recorrente – que transcreve trechos do acórdão recorrido
em cada um dos tópicos – verifica-se que não houve nenhuma das omissões
apontadas. Valho-me, assim, da própria linha argumentativa do recorrente para
afastar a aventada ofensa aos arts. 619 e 620, do CPP.
No
que concerne à violação do arts. 156, 157, caput e § 1º, do CPP, bem como do
art. 144, § 2º, do CTN, o recurso não merece melhor sorte. Com efeito, no
âmbito do processo administrativo fiscal , a Primeira Seção deste Superior
Tribunal, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.
1.134.665/SP, realizado em 25/11/2009, decidiu pela legalidade da requisição
direta de informações pela autoridade fiscal às instituições bancárias sem
prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário .
Ressalte-se que o resultado do procedimento fiscal goza de presunção de
legalidade, cabendo ao recorrente, no curso de tal procedimento, afastar
eventuais cobranças indevidas ou documentos impertinentes, sendo a via do
recurso especial inadequada para reavaliar o seu conteúdo.
Válida
a lembrança, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal também concluiu,
na sessão de 24/2/2016, o julgamento conjunto de cinco processos que
questionavam a constitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar n.
105/2001, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de
contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização
judicial. Por maioria, prevaleceu o entendimento de que a norma é
constitucional e não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em
transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas
contra o acesso de terceiros . A transferência de informações é feita dos
bancos ao Fisco, que tem o dever de preservar o sigilo dos dados; logo não há
ofensa à Constituição Federal.
Além
disso, já decidiu esta Corte que "a quebra do sigilo bancário sem prévia
autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não
extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001,
normas procedimentais, cuja aplicação é imediata , à luz do disposto no artigo
144, § 1º, do CTN" ( REsp Representativo da Controvérsia n. 1.134.665/SP ,
1ª S., Rel. Ministro Luiz Fux , DJe 18/12/2009). Consequentemente, não há que
se falar em inaplicabilidade da LC n. 105/2001.
Não
prosperam, de igual forma, as alegações de violação da correlação entre os
fatos imputados na denúncia e aqueles que subsidiaram a sentença. O total
apurado como tendo sido sonegado, não obstante a denúncia tenha indicado
valores menores, não tem relevância para efeitos da configuração do crime de
sonegação fiscal. O importante é haver crédito constituído, ou seja, que haja
na conduta perfeita adequação típica. Precisas, nesse ponto, as ponderações do
Ministério Público, calcadas em precedente desta Corte (fl. 609):
Ademais,
para a caracterização do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº
8.137/90, "de acordo com o posicionamento desta Corte Superior, o dolo se
manifesta na conduta dirigida à apresentação de declaração de imposto de renda
sem informar a respectiva movimentação financeira, culminando com a omissão de
receita e redução do IRPF". (RESP 201102766081, Og Fernandes, STJ – Sexta
Turma, DJE DATA: 09/10/2012).
Assim,
não comporta reparo o acórdão recorrido, vez que, analisando as provas
acostadas aos autos, promoveu adequadamente a correlação entre o fato criminoso
e o tipo penal infringido, imputando ao Recorrente as sanções previstas no art.
1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.
Por
fim, quanto à fixação da pena, observo que o acórdão recorrido destacou, como
negativas, a culpabilidade, as circunstâncias do crime e as consequências,
nestes termos (fls. 455-456):
(i)
culpabilidade revelada no modus operandi, pois o réu, agindo como procurador de
sua tia, pessoa já idosa, abriu diversas contas bancárias em nome desta, com o
dolo de ocultar a renda percebida, suprimindo assim os tributos devidos; (ii)
circunstâncias, uma vez que, mesmo após o falecimento da titular da conta,
continuou a movimentá-la, tentando ocultar-se da fiscalização da
Fazenda;
e (iii) consequências, porque deles resultou um prejuízo aos cofres públicos
apurado (inicialmente) no valor (já elevado) de R$ 453.057,43 (quatrocentos e
cinquenta e três mil, cinquenta e sete reais e quarenta e três centavos),
atualizado até 2010.
Infere-se,
das passagens referidas, que a culpabilidade foi considerada negativa em razão
do modus operandi, revelada pelo ardil utilizado pelo réu para a prática
delituosa. Segundo a orientação deste Tribunal Superior, tal circunstância
justifica considerar a culpabilidade negativa (v.g. AgRg no AREsp n. 414.083/MG
, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro , DJe 2/2/2017).
As
circunstâncias judiciais negativas, devidamente fundamentadas, foram calcadas
no fato de que, "mesmo após o falecimento da titular da conta" (fl.
455), o réu continuou a movimentá-la e, quanto às consequências, também
negativas, foram extraídas do vultoso valor sonegado – quase meio milhão de
reais –, o que encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, v.g., in
verbis:
[...]
6. O vultoso valor sonegado é considerado fundamento idôneo para amparar a
majoração na primeira fase de fixação da pena, pois revela especial
reprovabilidade da conduta, não inerente ao próprio tipo penal.
[...]
(AgRg no REsp n. 1.217.773/RS , Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze , DJe
29/5/2014).
Por
fim, ante o esgotamento das instâncias ordinárias – como no caso –, de acordo
com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n.
964.246, sob a sistemática da repercussão geral, é possível a execução da pena
depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito
em julgado da condenação , para garantir a efetividade do direito penal e dos
bens jurídicos constitucionais por ele tutelados.
À
vista do exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do Código de Processo Civil
de 2015, c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, e no art. 34, XVIII, b,
parte final, do RISTJ, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão,
nego-lhe provimento . Determino, ainda, o envio de cópia dos autos ao Juízo da
14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte (juízo da
condenação), para que viabilize o início imediato da execução da pena.
Publique-se
e intimem-se.
Brasília
(DF), 04 de abril de 2017.
Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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